A ousadia de Nicolau Copérnico e a renúncia do Papa

ENTRE UM CIENTISTA E UM PAPA, QUEM FOI LEMBRADO?

Comemorou-se, neste mês de fevereiro, os 540 anos do nascimento de Nicolau Copérnico (19/2/1473-24/5/154), tido como o principal responsável pela quebra do dogma do geocentrismo, isto é, de que a Terra teria de ser considerada, necessariamente, o centro do universo, para que não se contrariassem sagradas escrituras.

Admitir o heliocentrismo, isto é, a teoria segundo a qual o Sol ocupa o centro do universo, ao invés da Terra, tal como sugerira Copérnico, era considerado uma grave heresia, punida, muitas vezes, com tortura ou condenação à fogueira, pela politicamente dominante Igreja do Papa, responsável pela uso dos instrumentos altamente cruéis e coercitivos, a cargo da assim chamada Santa Inquisição.

A originalidade de Copérnico está em ter partido do ponto de vista de que não havia sentido a afirmação exclusiva do modelo geocêntrico, atribuído ao sábio Ptolomeu (90 d.C - 168 d.C). A ênfase da maioria dos astrônomos, até Copérnico, era procurar salvar a ideia do geocentrismo, através de engenhosos modelos que simulavam os movimentos dos astros, através de interpenetrantes trajetórias circulares, pois o círculo era tido como expressão da perfeição, à semelhança de Deus. Qualquer crítica ao modelo ptolomaico, portanto, era simplesmente rebatida com a introdução de novos círculos no modelo, o que ia adiando a validade da teoria geocêntrica, ao tempo em que ela ia ficando mais difícil de ser operada, para as finalidades científicas.

Nos dias atuais, é irrelevante a consideração de que o centro seja o Sol, a Terra ou qualquer outro astro. Com o avanço da computação científica, é indiferente, pois, tomar-se um astro ou outro como centro, para a descrição dos movimentos no Cosmos. O dogma do geocentrismo encontra-se, assim, definitivamente sepultado. É certo, porém, que no nosso sistema solar, em que todos os planetas descrevem órbitas elípticas em torno do Sol, a descrição dos movimentos fica muito mais fácil, ao adotar-se o sistema heliocêntrico.

Dias atrás, deu-se o anúncio da renúncia do Papa Bento XVI, fato que deixou o mundo perplexo. Na justificativa de seu gesto, o Pontífice sugere que há problemas na unidade da Igreja, e que seu gesto teria o objetivo de superá-los. No transcurso da história, quatro pontífices já haviam renunciado: São Ponciano (230-235), Bento IX (1047-1048), São Celestino V (1209 ou 1215-1296) e Gregório XII (1406-1415). Desse modo, Bento XVI é o quinto papa a renunciar.

O papa Ponciano renunciou a suas funções num momento de grande perseguição ao cristianismo. Banido para a Sicília pelo imperador de Roma (Maximino, o Trácio), o papa morreu como mártir nas pedreiras. O segundo a renunciar foi o Papa Bento IX, mas numa conjuntura bem diferente. No seu tempo, o papado era objeto de disputa entre famílias aristocráticas italianas e os imperadores germânicos. Pertencente a nobre estirpe dos condes tusculanos, Bento IX renunciou em 1048, ao saber que o imperador Henrique III estava chegando a Roma para depô-lo. Outro papa o que renunciou foi Celestino V, monge beneditino que se tornara eremita e vivia numa gruta do Monte Morrone. Eleito num momento especialmente delicado da história eclesiástica, em 1294, abdicou cinco meses depois, sob forte pressão, alegando incapacidade para exercer o ofício.

A última renúncia de um chefe da Igreja Católica, antes de Bento XVI, há 598 anos, em 1415. Trata-se do papa Gregório XII, que abdicou durante o Concílio de Constança, numa época extremamente conturbada e confusa, devido a um sério cisma na Igreja, quando três papas dividiam o poder na cristandade.

O curioso, nisso tudo, é que, no mesmo século de Copérnico, em que a Igreja tinha super poderes, um papa renunciara, aos 90 anos de idade, objetivando a unidade da Igreja, afinal conseguida. Contudo a memória dessa renúncia é mínima. No entanto, Copérnico, que colocou a vida em risco para negar o dogma do geocentrismo, é comemorado em todo o mundo, após mais de cinco séculos de seu nascimento!

Pelo visto, a busca incessante e a coragem de defender a verdade, pela Ciência, sempre dá bom resultado.



João Augusto de Lima Rocha é doutor em Engenharia de Estruturas, pela USP/São Carlos, professor Associado IV da Escola Politécnica da UFBA e membro do Conselho Curador da Fundação Anísio Teixeira

Fonte: 
Jornal da Ciência (27 de fevereiro)
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